quinta-feira, 24 de maio de 2007

A Branca de Neve is out there

A pedido de várias famílias, a sequela do Grande Êxito de Bilheteira
“A verdadeira História da Branca de Neve”
(ok, foi só a pedido de uma família... ‘tá bem, pronto, foi a pedido
de uma só pessoa, mas foi uma pessoa importante, ‘tá bem?
Foi a pedido do Luís do
Atirei o Pau ao Gato).

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Ilustração do Tacci, do Portugal, Caramba!


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Se bem se recordam, prezados senhores, a Branca de Neve era uma menina pouco recomendável, dada a más companhias e comportamentos duvidosos.

Um dia o tiro saiu-lhe pela culatra e a Branca de Neve acordou muito maldisposta, numa cama desconhecida e com uma bata de bradar aos céus. Pelo amor de Deus!, um trapo daqueles nem para os pobres! Quem desenharia estas coisas, não haveria um estilista que fizesse algo mais apresentável para aquela gente? É o que dá, frequentar hospitais públicos! Povinho, credo!

O pai, um senhor algo volúvel e inconstante, visitou-a no Hospital. Chato como a potassa, não desamparava a loja! Foram vários os teores da sua conversa, a saber: que sofria muito, que não compreendia a filha, que lhe dera tudo, como pudera ela fazer-lhe tal coisa logo a ele, pai extremoso, que a culpa era dele, que se ia separar da madrasta, que a filha estava de castigo ad eternum, que não podia ver mais os Sete Anões, que...

Enfadada, a Branca de Neve distraiu-se com um jovem médico que por ali andava e que, há que dizê-lo com frontalidade, era um gato.

No dia em que o pai a levou do Hospital é que foram elas: cortou-lhe a mesada, controlou-lhe as saídas e os amigos e, pior de tudo, destacou-se a si próprio como cão de guarda e passou a andar sempre de roda dela, a representar o papel do pai preocupado e solícito. Uma seca! E já nem sequer tinha a madrasta para se entreter com umas sacanices à maneira...

Quando o médico lhe telefonou para a levar a jantar, a Branca de Neve estava à beira de uma ataque de nervos. Estava capaz de sair com o Frankenstein, desde que saísse!

Mas depressa viu as vantagens da situação. O jovem médico, idealista e romântico, metia a Branca de Neve num pedestal. Deslumbrado com a sua beleza, mimava-a de todas as formas e feitios. Levava-a a todo o lado, a restaurantes de luxo, a teatros e à Ópera (lugares que a Branca de Neve nunca frequentara, apesar da fama do pai de homem culto). Enviava-lhe rosas, tão brancas como o seu nome, oferecia-lhe jóias e vestidos, levava-a a passear pelo país e pelo estrangeiro... e, principalmente e acima de tudo, pagava tudo isto com um belíssimo cartão de crédito Gold. A Branca de Neve apaixonou-se!

E nem sequer lhe era muito difícil representar o papel da musa do jovem médico: bastava-lhe ser decorativa e o mais consumista possível. E, claro, manter-se longe das drogas, o que se revelou nem ser demasiado difícil. Andava tão distraída, com tanta coisa nova para ver e comprar... E depois, sem stress, se alguma vez não aguentasse a pressão, haveria sempre um comprimidinho milagroso para ajudar. De resto, o jovem médico tinha receitas por todo o lado e a Branca de Neve, claro, era perita em falsificar assinaturas.

De vez em quando assaltavam-na umas saudades dos dias aventurosos com os Sete Anões, em que partiam estádios, assaltavam bombas de gasolina e snifavam coca. Mas pronto, não se pode ter tudo, e a vida com o jovem médico até nem era nada má. Tudo bem pesado, a Branca de Neve lá se dispôs a dar o nó.

Quem ficou por demais orgulhoso foi o pai da Branca de Neve. Quem o ouvir ficará a saber como ele, pai exemplar, criou uma filha sozinho e a tornou num ser humano extraordinário, noiva linda e colunável de um doutor de excepção. E claro, se alguém tiver a falta de gosto de lhe recordar os conturbados meses de juventude, ele dirá só, à laia de confidência, que nada como o apoio da família (leia-se pai dedicado), para ultrapassar os problemas da adolescência.

8 comentários:

ATIREI O PAU AO GATO disse...

É isso "hainnish", tal e qual e infelizmente esta "Branca de Neve" recuyperada continua a ser um belíssino retrato do que anda por aí, até mesmo ganhando contornos de símbolo colectivo, pois afinal poderia muito bem ser tomada como uma metáfora dos tempos que correm em que tanto se insiste em viver de aparências.

Desafio aceite, resposta ganha e da minha parte só posso curvar-me em sinal de agredecimento, antes de mais, mas, sobretudo, como forma de expressar o respeito, o enorme respeito que me mereces.

Tudo de bom para ti, "Hainnish" e para todos aqueles que amas e te fazem felíz.

Luís Foch

Hainnish disse...

Luís:

A vida pode dar voltas e até tomar rumos melhores, mas quem não presta continua a não prestar pela vida fora. Existe uma expressão no nosso português que o exprime muito bem: apurar ou refinar com a idade. Os velhinhos são um de dois extremos, uns amores ou uns estupores. E a minha Branca de Neve não era flor que se cheire...

Um abraço.

ATIREI O PAU AO GATO disse...

Mas deste muito bem a volta ao texto é precisamente isso que tu dizes que ele deixa a nu e de uma forma humorosa que sempre é um bom modo de tratar este género de personagens, mesmo na vida real -isto para lá dos castigos de outra natureza que pelas suas más acções possam merecer. E exemplificas muitíssimo bem coma fase terminal da vida pois é lá que se reflecte justamente aquilo que de facto fomos ou acabámos por ser ao longo da vida. Tenho até para mim que a velhice traz sabedoria e tranquilidade àqueles que levaram a vida com leveza e sem maldade e com isso forma os tais amores de que falas, na mesma medida em que graz resmunguisse e maldade àqueles para quem na vida, de uma maneira ou de outra, nunca se encontrou.
Estes carácteres doentias e personalidades egoistas e ganaciosas não são passíveis de se curar nem por via das leis nem pela das psiquiatrias. Previnem-se. Com o amor e carinho com que acompanhamos a formação dos mundos que estão ao nosso cuidado. E é isso que a tua ficção revela de ti "hainnish" e isso, com toda a franqueza, é muito bonito.

Só depois de ter feito o comentário anterior antentei nas tuas palavras de introdução. Muito obrigada por elas que são muitíssimo lisonjeiras para mim. É muita bondade da tua parte e a grandeza só está nos teus olhos.

Tudo de bom para ti, "hainnish" e todos aqueles que amas.

Luís Foch

A. Jorge disse...

Caí aqui de para-quedas, via Gi, e gostei dos teus escritos. Vou voltar para para os "estudar" melhor. Já estás nos meus favoritos.

Abraço

Jorge

http://vagabundices.wordpress.com/

Hainnish disse...

Luís:

Obrigada pelas palavras e pela simpatia.
"Estes carácteres doentias e personalidades egoistas... previnem-se.Com o amor e carinho...". Não podia estar mais de acordo. As crianças aprendem por imitação dos adultos à guarda de quem estão. Se forem tratadas com amor, decência e rectidão, crescem para ser seres humanos com H grande. Se não...

Um abraço.

Hainnish disse...

Olá, Jorge,

bem vindo ao "Histórias...". Aparece sempre.

Um abraço

António Melenas disse...

"Castigat ridendo mores", já diziam os sacanas dos romanos e os gajos sabiam do que falavam, que em matéria de costumes, faz favor, vou ali já venho.
Gramei este texto. è um retrato fiel do que para aí vai.
Vi outros textos mais abaixo e gostei de tudo o que vi.
Desculpa lá o "gramei# e outras expressões menos literárias, mas por vezes são estas que melhor exprimem o que sentimos
Um abraço e obrigado pela visita

Hainnish disse...

Olá António.

Obrigado pela visita e fico contente por ter gramado os textos do "Histórias...". Volte sempre.

Um abraço.