terça-feira, 23 de outubro de 2007

El-rei D. Leão da Selva

Certo dia D. Maldisposto
Os bichos mandou chamar,
Estava muito indisposto
Queria festa para animar.

El-rei d’ alma enfastiada
Só queria diversão
Chamou toda a bicharada
Para mimar el-rei Leão.

Foi assim que lá na selva
Houve grande confusão
A bicharada na relva
Numa mega reunião.

Veio um macaco pintado,
Um belo malabarista,
Ficou el-rei deslumbrado
Com o jeito do artista.

Depois veio o crocodilo
Com artes de imitador.
Veio de longe, do Nilo,
Fez d’ el-rei, nosso Senhor.

Depois o mestre elefante
A tromba veio tocar
Com o seu porte gigante
Até se pôs a dançar.

Chegou a bela serpente
Dançou ao toque da tromba,
Animou-se toda a gente
Foi uma festa d’ arromba!

El-rei Leão enfadado
Esqueceu-se dos bocejos,
Deu à juba animado
E ditou os seus desejos:

Decretou que d’ ora avante
Todo o dia haja festança
Pois se até mestre elefante
Hoje brincou que nem criança!

Foi assim que D. Leão,
O rei triste e descontente,
Se tornou D. Brincalhão,
Sempre a rir com toda a gente.

sábado, 13 de outubro de 2007

A escola

Ilustração do Tacci do Portugal, Caramba!


Baixo a tampa e sento-me na sanita. Já está. Hoje já estou safo. Ninguém me viu entrar aqui dentro, posso esperar pela noite à vontade. A mãe vai ficar furiosa, vou chegar outra vez tarde a casa. Mas que se lixe, não quero saber.

Hoje já escapei. É a minha vantagem, a minha única vantagem: a rapidez. Porque eu sou rápido. Pequeno mas rápido. Posso sempre correr mais que eles. E eu sou esperto. Conheço cada buraco desta espelunca, cada esconderijo. E os brutos não me podem apanhar.

Odeio-os. Odeio-os a eles e odeio-me a mim. Porque tenho medo. Não sou corajoso e prefiro esconder-me. Prefiro enfiar-me na casa de banho, encolher-me aqui durante horas a fio. Passo as horas a ler histórias de aventura, histórias de heróis como eu nunca serei. Porque eu sou um cobarde. Morro de medo daqueles mentecaptos. Quem me dera ser bem grandalhão, mesmo que tivesse de ser mentecapto.

Hoje já estou safo. Na 5ª feira deixei-me apanhar. Disse à mãe que tinha brigado, escolhi um miúdo mais pequeno que eu. A mãe ficou furiosa, mas antes furiosa que preocupada. Se ela percebe ainda faz queixa, e se ela faz queixa quem paga sou eu. Fui bem avisado. Se alguém descobrir, dão cabo de mim. Antes quero a mãe furiosa, sem pena de mim ou dos meus arranhões. Antes quero ficar de castigo, todo o sábado fechado sem sair do quarto. Não me importo. Tenho os meus livros e o meu computador. Quem me dera que fosse sempre sábado!

A mãe nem sonha. Acha que estou a ficar um rufia. Outro dia recebeu uma carta da escola, a informar que eu falto às aulas. Ia tendo uma coisa má. Pensa que eu ando em más companhias. Nem ela imagina, quão más elas são! Disse-lhe que ia ao café, jogar matraquilhos. Quem me dera poder! Escusava de ficar aqui toda a tarde, nesta sanita fria e desconfortável.

Abro a mochila e tiro a caixa. Costumava estar na mesinha da sala, trancada a sete chaves, mas já há uns tempinhos que a tenho escondida. De dia anda comigo na minha mochila, de noite descansa debaixo da cama. Ninguém deu por isso. Todas as noites abro aquela caixa, pego nela e acaricio-a. Imagino que a uso um dia na escola, e por uma vez vou ser eu o herói. Por uma vez vão ter medo de mim. Se ao menos eu tivesse coragem... mas eu vou ter! Encho-me de coragem e decido que é hoje. Hoje eu vou ter!

Agarro-a bem com as duas mãos. Tenho de ser forte, não posso tremer. Atravesso o pátio completamente vazio. A minha aula já começou. Bato à porta e o professor abre. Começa a ralhar por causa do atraso. Não lhe dou tempo. Disparo uma vez, duas, três... disparo outra e outra vez. Depois viro as costas e desato a correr.