quarta-feira, 18 de março de 2009

Negro Destino

Ilustração do Tacci, do Portugal Caramba!

Superstição? Sabem lá vocês o que é superstição! Tinham de ser eu, de estar na minha pele, para perceberem exactamente o que é essa coisa da superstição… o dano que uma crença sem fundamento pode causar na vossa vida!
Imaginem! Imaginem o que é serem rejeitados sem qualquer razão, sem motivo, só porque sim. Imaginem o que é serem postos na rua, expulsos de casa, só porque sim. Verem-se sozinhos, abandonados, largados para morrer num canto escuro e frio, sem compaixão, apenas porque a cabeça dos homens parece comandada pela irracionalidade.
Imaginem o que é olhar em redor e ver a injustiça do mundo. Ver os vossos semelhantes no maior conforto, refastelados no sofá ou em frente à lareira, de barriga cheia e cama lavada, amados e apaparicados por todos ao seu redor. E vocês, só por capricho, obrigados a viver na rua, a subsistir dos restos deitados no lixo, enxotados, evitados por tudo e por todos, sujeitos à chuva e ao frio e à inclemência da vida. Só porque sim!
Imaginem! Imaginam maior azar? Por isso, não me falem de superstições! Sabem lá vocês o que é nascer um gato preto numa sexta-feira treze!

A Bruxa

A Ana desce a rua, arrogante, senhora da aldeia. Velhos e novos desviam o olhar, fingem-se ocupados. É uma questão de bom senso, nada mais. Afinal, quem quer correr o risco de atrair as atenções da Ana?
A velha Quitéria, parteira da aldeia há 50 anos, é que conta a história. Diz ela que a garota já nasceu com os desígnios trocados. O primeiro sinal foi a coruja, que piou à meia-noite, quando a Teresa se esvaía no parto. A Quitéria jura que foi nesse momento, exactamente à meia-noite, que a cachopa nasceu, a sétima rapariga da casa. A mãe, desalentada, suspirou:
- Chamem-lhe Ana, como a minha avó.
E finou-se.
Foi só o princípio. Se pensam que ficou por aí, enganam-se! Conta a Quitéria que a bebé ficou esquecida no berço quando passava o funeral da mãe. Mau agoiro, toda a gente sabe. Pior: Maria, a irmã, viu o berço à porta e agarrou na criança, levou-a ao cemitério a despedir-se da mãe.
Nem o padre Manuel conseguiu contrariar o destino: entornou a água benta no baptismo da miúda!Há dúvidas? Quando a Ana passa, o melhor é desviar o olhar. É uma questão de bom senso.