quarta-feira, 28 de março de 2007

O jardim da minha infância

Foto da Ana, do Simples Sopros

No meu bairro existia um jardim, meu terreiro de jogos durante a infância. O Jardim não era nada por aí além. Não passava de um quarteirão, com canteiros e algumas árvores, um coreto e um laguito com patos, um escorrega e dois baloiços. E, claro, muitos bancos soalheiros onde as velhotas faziam tricô enquanto os maridos, igualmente velhotes, jogavam à bisca instalados nas velhas mesas pintadas de verde, já a descascar aqui e ali.
Apesar de modesto, nós adorávamos o nosso jardim. As árvores eram centenárias, com vastos troncos e folhagem densa. Uma em particular era muito convidativa, os seus ramos acomodavam-nos facilmente. Uns dias nave espacial, noutros barco de piratas, às vezes casa de bonecas ou covil das feras, a árvore pertencia-nos e a tudo se moldava.
No Inverno, quando a chuva enchia o chão de poças e a árvore se encontrava molhada e desconfortável, os ramos pingando frias gotas que se enfiavam pelas golas e nos arrepiavam como dedos gelados, assentávamos arraiais no velho coreto gasto pelos anos que, enfeitado com as cores da imaginação, atingia dimensões de castelo invencível, palácio de princesas ou reduto das bruxas.
Nas traseiras do jardim, no quarteirão que com ele marginava, existia um morro coberto de matos e lixo, no cimo do qual outrora se erguera um prédio que ruíra anos antes. Dele sobrava ainda uma parede, por ser comum a dois prédios, o que ruíra e outro que resistia, ainda incólume. E nessa parede, expostos ao olhar de quem passasse, viam-se ainda cores desbotadas, azulejos de casa de banho, testemunhos silenciosos de melhores tempos. Até uma sanita, lá no terceiro andar, enfrentando chuva e sol e vento cortante sem dar mostras de querer ceder, se expunha ao olhar do mundo.
Para nós, miúdos, o jardim prolongava-se para as traseiras, englobando o morro e as ruínas no nosso campo de brincadeiras. Ali éramos bravos exploradores trepando o Monte Evereste, arqueólogos investigando relíquias de civilizações passadas, índios preparando astutas emboscadas aos cowboys ou polícias em perseguição de um bando de perigosos assaltantes. Ali eles éramos reis e senhores de um mundo fértil e rico de aventuras.

3 comentários:

mulher disse...

Gosto muito deste texto. também te linkei, não fiz mal poi não?

Hainnish disse...

Olá, Ana, obrigada pela visita. Claro que me podes linkar, estás à vontade.
Um beijo.

mulher disse...

obrigada! ;))))