
Chove. Uma chuva grossa, de pingos molhados. Pingos que se insinuam, gola abaixo, e nos arrepiam como dedos gelados. Dedos de fantasma que nos eriçam os pelos da nuca. Porque este é o sítio deles, a sua casa, o seu habitat. Porque isto é o cemitério, o mundo das almas inquietas que vagueiam num desassossego sem fim.
No cemitério está escuro. Escuro como uma noite escura de Inverno. E chove, uma chuva gelada e desconfortável.
Espreito o grupo. Debaixo dos amplos guarda-chuvas aguardam. Ouvem o arrazoado do padre gorducho, impacientes. Mudam o peso de um pé para o outro e maldizem o morto, que escolheu péssimo dia para decidir morrer. Não vêem a hora de isto acabar, de se irem embora para o quente de casa.
Também eu aguardo, impaciente. Aguardo que eles terminem para voltar para casa. Não posso entrar enquanto por aqui andarem. Também eu não vejo a hora de acabarem.
Eu espreito o grupo. São gente rica, cheiram a dinheiro. As roupas são caras e o jazigo é enorme. Enorme e antigo, cheio de nossas senhoras e anjinhos reboludos, quase tão reboludos como o padre ao fundo. Um jazigo de família, rico e ornamentado. Mas não como o meu. O meu é melhor, um dos melhores.
Olho para eles, estudo-os bem. Afinal, é útil conhecer os vizinhos. E esta gente é minha vizinha. O jazigo deles fica mesmo aqui, paredes meias com o meu. Nunca cá tinham sequer aparecido. Será que agora passarão a cá vir, ver o morto de hoje? Virão aos domingos, prestar homenagem ao finado?
O padre calou-se, a cerimónia termina. O grupo despede-se, está de saída. Dispersam-se e passam em grupos menores. Passam por mim sem sequer me notarem, ou notam-me com um olhar de nojo profundo. Nada de novo, estou habituado.
Foram-se embora, posso entrar. Entreabro a minha porta, desconfiado. O meu jazigo descansa em paz. Os meus cobertores ainda cá estão, dissimulados ali naquele canto. As minhas latas não foram mexidas. Tiro do bolso o pacote de vinho, o naco de pão e instalo-me para a noite.
Espero que não tornem. Não quero vizinhos.
No cemitério está escuro. Escuro como uma noite escura de Inverno. E chove, uma chuva gelada e desconfortável.
Espreito o grupo. Debaixo dos amplos guarda-chuvas aguardam. Ouvem o arrazoado do padre gorducho, impacientes. Mudam o peso de um pé para o outro e maldizem o morto, que escolheu péssimo dia para decidir morrer. Não vêem a hora de isto acabar, de se irem embora para o quente de casa.
Também eu aguardo, impaciente. Aguardo que eles terminem para voltar para casa. Não posso entrar enquanto por aqui andarem. Também eu não vejo a hora de acabarem.
Eu espreito o grupo. São gente rica, cheiram a dinheiro. As roupas são caras e o jazigo é enorme. Enorme e antigo, cheio de nossas senhoras e anjinhos reboludos, quase tão reboludos como o padre ao fundo. Um jazigo de família, rico e ornamentado. Mas não como o meu. O meu é melhor, um dos melhores.
Olho para eles, estudo-os bem. Afinal, é útil conhecer os vizinhos. E esta gente é minha vizinha. O jazigo deles fica mesmo aqui, paredes meias com o meu. Nunca cá tinham sequer aparecido. Será que agora passarão a cá vir, ver o morto de hoje? Virão aos domingos, prestar homenagem ao finado?
O padre calou-se, a cerimónia termina. O grupo despede-se, está de saída. Dispersam-se e passam em grupos menores. Passam por mim sem sequer me notarem, ou notam-me com um olhar de nojo profundo. Nada de novo, estou habituado.
Foram-se embora, posso entrar. Entreabro a minha porta, desconfiado. O meu jazigo descansa em paz. Os meus cobertores ainda cá estão, dissimulados ali naquele canto. As minhas latas não foram mexidas. Tiro do bolso o pacote de vinho, o naco de pão e instalo-me para a noite.
Espero que não tornem. Não quero vizinhos.