quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O Comandante

Em resposta ao mote do Tacci, do Portugal Caramba!, e ilustrado por ele.
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Ouço-o ao longe. É o comboio, hei-lo que chega. Saio à rua, vou recebê-lo. É o meu dever, a minha função. É meu dever verificar, ver o lote de hoje. Garantir que tudo decorre dentro da ordem. Garantir que o lote não é maltratado. Não em demasia, pelo menos. Minimizar a crueldade gratuita, que é moeda corrente dentro destes portões. Impor alguma decência pela minha simples presença.

Gosto de pensar que torno a vida de cada lote um pouco mais suportável. Gosto de pensar que a minha presença refreia um pouco a brutalidade de tudo isto.

O trabalho é uma merda, é um facto. Mas são as ordens que tenho, há que cumpri-las o melhor possível. Há que fazer a triagem com frieza, sem emoção. Não me envolver. São gado, assim os devo encarar. Gado como qualquer outro, para trabalhar ou para o abate. Tão simples como isso. As regras são estas, tenho de me ater a elas. As regras são fáceis.

Distância. Distância total. Não sentir nada, não criar contacto. Estar presente, refrear os excessos. A minha simples presença refreia a veia sádica dos homens. Na minha presença controlam-se. Sei que sou temido. O meu pessoal teme-me e odeia-me. Odeia-me e difama-me. Sei o que dizem. Que o comandante é um louco e um frouxo, não serve para este trabalho. Que o comandante é um fraco, não os tem no sítio. Eu sei. E estou-me nas tintas. Estou-me nas tintas para a opinião destes trastes, sádicos de merda a quem deram rédea solta.

Sei o que se diz à boca pequena. Que o comandante tem as lealdades trocadas. Que o comandante se importa mais com a escória que com os seus homens. Que o comandante não permite espancar a escória, mas açoita os seus homens sempre que lhe convém. Que o comandante não é leal ao Fürher, que é amigo dos judeus. Devia ter medo destes vampiros, do que possam fazer constar. Do que possam dizer de mim. Mas não tenho, não quero saber.

Hei-lo que chega, o meu novo comboio. Só isso importa. Um milhar de judeus. Devo separá-los, dividi-los. Está nas minhas mãos decidir. E decido. Quem morre hoje nas câmaras de gás, quem vive mais um pouco nos trabalhos forçados. É o meu dever, a minha função. Porque é quem eu sou. Sou o Comandante do Campo de Concentração.

2 comentários:

A. Jorge disse...

Olá!
Tenho, para os meus eleitos, um recado no "Vagabundices"!

Um beijo

Jorge

http://vagabundices.wordpress.com/

A. Jorge disse...

*Um abraço, quero eu dizer!!!

Jorge