Era uma vez uma menina chamada Branca de Neve (para que não haja surpresas, aviso já que, no que se refere a ela, ‘menina’ é um eufemismo!).
Era uma criança encantadora... quanto lhe faziam as vontades! Se alguém a contrariava, aí é que eram elas! Era dada a birras, ataques de mau-humor, a má educação...
A Branca de Neve era muito, muito bonita e muito, muito provocante. Desde cedo aprendeu a fazer uso da sedução em detrimento da argumentação. E era muito vaidosa! Passava horas ao espelho, a ensaiar olhares, poses, sorrisos... Adorava perguntar à sua imagem no espelho:
“Espelho meu, espelho meu, há mulher mais bonita do que eu?”
Como poderão deduzir, a Branca de Neve era bastante mimada. Era daquelas crianças filhas de pais separados, que sempre se habituou a manipular os adultos com complexos de culpa, que a enchiam de presentes para compensar a falta tempo e de atenção.
O pai da Branca de Neve era muito conhecido. Era mesmo uma figura importante na época, com programas de televisão, crónicas nos jornais, um ou outro livro editado, enfim,... era considerado uma figura de destaque do mundo da cultura!
E tinha imenso mérito. Conseguia fazer tudo isto, e convencer milhões de fãs dos vários quadrantes, sem nunca ter lido um livro, sem ter entrado numa sala de teatro, sem nunca frequentar um museu... O pai da Branca de Neve era o maior e melhor bluff da época, e, à semelhança da sua filha, fazia da sedução uma forma de vida... e fazia-o bem.
Um dia, o pai da Branca de Neve arranjou uma namorada. Não é que ele não aranjasse namoradas de quando em vez, era exímio nisso, mas elas não resistiam mais que uns meses... a Branca de Neve encarregava-se disso.
Mas desta vez ele estava apaixonado, e ela também. Estavam resolvidos a fazer com que a coisa resultasse, até marcaram casamento e tudo!
E por isso, a namorada encheu-se de coragem e decidiu-se a enfrentar a fera... que é como quem diz, a Branca de Neve (que entretanto era uma adolescente manipuladora e mal-homurada, que só queria sair à noite e chumbava anos consecutivos)...
A namorada era uma rapariga inteligente e determinada. Ou seja, tentou todas as técnicas possíveis: tentou ser amiga da enteada, tentou impor regras e limites, tentou castigar, tentou ignorar as má-criações, tentou oferecer-lhe presentes, tentou a abordagem psicológica...
A Branca de Neve também punha em prática várias estratégias com a madrasta... em frente ao pai, era encantadora com ela. Nas costas do pai, fazia-lhe a vida negra... e na sua ausência, envenenava o pai com mentiras acerca da perfídia da madrasta, que a mal-tratava e que tinha inveja da sua beleza e juventude...
O pai, apesar da sua fama de homem culto e interessante, não primava pela inteligência. Deixava-se levar pelas manobras da Branca de Neve e cada vez mais tendia a culpar a namorada pelos insucessos escolares e pela rebeldia da filha... Afinal, a garota estava traumatizada pelo divórcio dos progenitores e pelo novo casamento do pai!
No dia em que lhe telefonaram do Hospital a comunicar que a filha estava em coma, com uma overdose, o pai ficou em estado de choque.
A polícia informou-o que a ambulância tinha sido chamada por uns rapazes de má fama, ao que parece amigos da Branca de Neve. Segundo a polícia, a filha pertencia a um bando de marginais, claque de um grande clube de futebol e conhecido em todas as esquadras dos arredores como os ‘Sete Anões’ (não que fossem pequenos, a alcunha referia-se mesmo à envergadura dos seus escassos neurónios!).
O pai ia tendo uma apoplexia! Separou-se da madrasta na hora, porque a menina, coitadinha, estava mesmo muito traumatizada!
Como vaso ruim não quebra, a Branca de Neve safou-se da overdose. E de caminho, engatou o jovem médico que tratou dela, um romântico incurável seduzido pelo ar ingénuo da Branca de Neve e por um sentido de missão: tirar aquela jovem das más vidas e más companhias.
Já a Branca de Neve, arrumado o caso “madrasta”, estava pronta para novos desafios na vida... e o caso “príncipe encantado”, leia-se jovem médico incorruptível, vinha mesmo a calhar...